A imprensa portuguesa vive dias maus. As redacções estão depauperadas de qualidade. Grandes jornalistas foram atirados borda fora, outros continuam no jornalismo, mas estão sobrecarregados de trabalho. O resultado disto tudo é um jornalismo de baixo valor acrescentado, peças repletas de lugares comuns, textos de mau português, caricaturas em vez de perfis bem construídos, críticas de vistas curtas e inspiração momentânea.
Esta é a realidade em todas as áreas, mas tudo isso é particularmente notório no jornalismo cultural. Na secção política, por exemplo, a atenção tem de ser redobrada porque os actores políticos têm peso e influência. Nas artes, porque se trata de uma área subjectiva por natureza, os cuidados são menores e a colheita de lugares comuns, caricaturas mal feitas e de traço grosso - para não dizer grosseiro - são o pão nosso de cada dia.
Vem isto a propósito de grande parte dos textos que tenho lido sobre JP Simões e 1970. Os casos mais paradigmáticos, contudo, são dois, até pelos pergaminhos dos órgãos de comunicação social em que as prosas foram publicadas. Refiro-me aos trabalhos dados à estampa pelos suplementos culturais do Expresso e do Diário de Notícias.
Alexandre Costa, do Expresso, começa o texto com uma análise enviesada em com um erro de facto: «Depois dos Belle Chase Hotel e da curtíssima existência do Quinteto Tati, o escritor de canções e artista boémio JP Simões...». O erro é que o Quinteto Tati não está dado como extinto. A análise retorcida é a caricaturização feita a JP Simões. Artista boémio será o João Braga ou o Nuno da Câmara Pereira. JP Simões é um artista com uma grande inquietação existencialista, que, em dada fase da sua vida, se terá traduzido em consumos etílicos de elevado volume, com as consequências que daí advieram, sobretudo uma certa aura de animador de massas. Fazer disto o centro do retrato do artista é não perceber nada do universo intrínseco de JP Simões.
Mas o pior mesmo é a crítica ao disco, escrita por Jorge Lima Alves, no mesmo suplemento. Depois de arrancar grandes elogios ao trabalho de JP Simões e ao talento do artista, diz que a voz de Simões é o seu ponto fraco e acrescenta isto, que eu acho um atentado à inteligência dos leitores: «Fica a dúvida se, pelo menos em algumas canções, JP Simões não deveria fazer como Rodrigo Leão (que, em larga medida, navega nas mesmas águas musicais) e convidar boas vozes para as interpretar». Primeiro: que águas turvas anda a consumir o crítico para ver tantas similitudes entre Leão e Simões? Segundo: Rodrigo Leão é um compositor musical, JP Simões é um cantautor. Um compositor compõe e interpreta ou não, consoante a decisão a cada momento. Um cantautor canta aquilo que escreve e compõe. Terceiro: Terá o crítico a veleidade de convidar a dar a cantar a outros as canções escritas por essas grandes vozes que são as do Jorge Palma, do José Mário Branco, do Bob Dylan ou do Tom Waits?
Quanto à prosa do Diário de Notícias, sofre do mal maior do que tem sido a análise ao trabalho a solo de JP Simões: alinha pela caricatura e não pela crítica certeira ao confundir influência com cópia. O articulista, Davide Pinheiro, também opta por catalogar JP Simões como «boémio», o que, como já disse, não é correcto. O mais gravoso não está, todavia, no texto da entrevista, mas na crítica ao disco. O autor de 1970 é tratado como um copista de Chico Buarque e o jornalista, partindo dessa premissa, incapaz de ver nas 11 faixas do álbum o cunho pessoalíssimo de JP Simões, tem a veleidade de perguntar, elogiando a versão de Inquietação, original de José Mário Branco, se valeu a pena ao conimbricense viver um sonho Música Popular Brasileira em 10 das 11 faixas do disco. Lamentável, mas compreensível, devido às condicionantes que descrevi nos primeiros parágrafos. É este o jornalismo que temos.
2 comentários:
A imprensa portuguesa vive dias maus. As redacções estão depauperadas de qualidade. Grandes jornalistas foram atirados borda fora, outros continuam no jornalismo, mas estão sobrecarregados de trabalho. O resultado disto tudo é um jornalismo de baixo valor acrescentado, peças repletas de lugares comuns, textos de mau português, caricaturas em vez de perfis bem construídos, críticas de vistas curtas e inspiração momentânea.
Esta é a realidade em todas as áreas, mas tudo isso é particularmente notório no jornalismo cultural. Na secção política, por exemplo, a atenção tem de ser redobrada porque os actores políticos têm peso e influência. Nas artes, porque se trata de uma área subjectiva por natureza, os cuidados são menores e a colheita de lugares comuns, caricaturas mal feitas e de traço grosso - para não dizer grosseiro - são o pão nosso de cada dia.
Vem isto a propósito de grande parte dos textos que tenho lido sobre JP Simões e 1970. Os casos mais paradigmáticos, contudo, são dois, até pelos pergaminhos dos órgãos de comunicação social em que as prosas foram publicadas. Refiro-me aos trabalhos dados à estampa pelos suplementos culturais do Expresso e do Diário de Notícias.
Alexandre Costa, do Expresso, começa o texto com uma análise enviesada em com um erro de facto: «Depois dos Belle Chase Hotel e da curtíssima existência do Quinteto Tati, o escritor de canções e artista boémio JP Simões...». O erro é que o Quinteto Tati não está dado como extinto. A análise retorcida é a caricaturização feita a JP Simões. Artista boémio será o João Braga ou o Nuno da Câmara Pereira. JP Simões é um artista com uma grande inquietação existencialista, que, em dada fase da sua vida, se terá traduzido em consumos etílicos de elevado volume, com as consequências que daí advieram, sobretudo uma certa aura de animador de massas. Fazer disto o centro do retrato do artista é não perceber nada do universo intrínseco de JP Simões.
Mas o pior mesmo é a crítica ao disco, escrita por Jorge Lima Alves, no mesmo suplemento. Depois de arrancar grandes elogios ao trabalho de JP Simões e ao talento do artista, diz que a voz de Simões é o seu ponto fraco e acrescenta isto, que eu acho um atentado à inteligência dos leitores: «Fica a dúvida se, pelo menos em algumas canções, JP Simões não deveria fazer como Rodrigo Leão (que, em larga medida, navega nas mesmas águas musicais) e convidar boas vozes para as interpretar». Primeiro: que águas turvas anda a consumir o crítico para ver tantas similitudes entre Leão e Simões? Segundo: Rodrigo Leão é um compositor musical, JP Simões é um cantautor. Um compositor compõe e interpreta ou não, consoante a decisão a cada momento. Um cantautor canta aquilo que escreve e compõe. Terceiro: Terá o crítico a veleidade de convidar a dar a cantar a outros as canções escritas por essas grandes vozes que são as do Jorge Palma, do José Mário Branco, do Bob Dylan ou do Tom Waits?
Quanto à prosa do Diário de Notícias, sofre do mal maior do que tem sido a análise ao trabalho a solo de JP Simões: alinha pela caricatura e não pela crítica certeira ao confundir influência com cópia. O articulista, Davide Pinheiro, também opta por catalogar JP Simões como «boémio», o que, como já disse, não é correcto. O mais gravoso não está, todavia, no texto da entrevista, mas na crítica ao disco. O autor de 1970 é tratado como um copista de Chico Buarque e o jornalista, partindo dessa premissa, incapaz de ver nas 11 faixas do álbum o cunho pessoalíssimo de JP Simões, tem a veleidade de perguntar, elogiando a versão de Inquietação, original de José Mário Branco, se valeu a pena ao conimbricense viver um sonho Música Popular Brasileira em 10 das 11 faixas do disco.
Lamentável, mas compreensível, devido às condicionantes que descrevi nos primeiros parágrafos. É este o jornalismo que temos.
o que eu estava procurando, obrigado
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