O bom malandro descobriu a tristeza
Esqueçam a pose festiva, as letras a roçar a insolência e a atitude própria de um 'bom malandro' que não se furta a qualquer experiência capaz de contribuir para a fruição de um hedonismo pleno. O 'novo' J. P. Simões é uma versão enegrecida do 'entertainer' que, há quase uma década, agitou a lassidão característica do meio musical lusitano, com um punhado de canções de fácil audição (e esquecimento idêntico, reconheça-se).
É certo que as larachas - algumas de gosto duvidoso... - e uma vontade para lá do razoável de encetar diálogo com a assistência indicam que ainda há um longo caminho a percorrer até que esteja concluído esse processo de libertação total da imagem que se lhe colou. Valha a verdade também que o público - em parte ainda refém dos tempos de sã inconsciência dos Belle Chase Hotel - em nada facilita a emancipação que Simões se esforça por fazer. Ao mínimo comentário, por mais desprovido de graça que seja, vários espectadores soltam sonoras gargalhadas, como se estivessem num espectáculo de 'stand up comedy' e não no concerto daquele que se arrisca a ser o mais sério candidato ao título de "português mais brasileiro de sempre", tamanha é a influência da música do lado de lá do Atlântico em tudo o que faz.
Na segunda apresentação ao vivo do disco de estreia a solo - "1970", com edição prevista para 15 de Janeiro -, saltou à evidência a necessidade urgente de 'rodagem' do mesmo. As canções ainda soam demasiado idênticas e sem autonomia, herdeiras de uma mesma raiz sonora - com Chico Buarque e João Gilberto à cabeça -, que, pese embora a inegável eficácia, acabam por tornar-se demasiado indolentes, sobretudo quando escutadas de forma quase ininterrupta.
A ausência do efeito surpresa não significou uma má prestação de J. P. Simões. Pelo contrário. A maturidade musical do ex-vocalista do Quinteto Tati é por de mais evidente e temas como o homónimo "1970", "Inquietação" - a partir de uma composição de José Mário Branco - ou "Capitão Simão" são particularmente promissores. Uma transposição mais eficaz para o palco do conceito subjacente ao disco deverá fazer o resto.
Sérgio Almeida, Jornal de Notícias
1 comentário:
bom comeco
Enviar um comentário